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A produção de vinhos nacionais ganha cada vez mais corpo e alma feminina

Brasil tem hoje quase três vezes mais enólogas do que alguns dos mercados mais tradicionais do mundo, como a Itália



Por Marianne Piemonte*

Atualizado em 20 abr 2024, 13h54 - Publicado no site da Revista Veja


As doses de preconceitos em relação à qualidade e potencial dos vinhos brasileiros caíram por terra. A produção nacional está definitivamente no mapa do mundo, como atestam dezenas de publicações especializadas e críticos internacionais, entre eles, a inglesa Jancis Robson, uma das mais conceituadas, que oferecem medalhas com altas pontuações para nossos rótulos. Dentre as 1.000 vinícolas nacionais catalogadas no país, 70% delas ainda estão na tradicional Região Sul, isso não é surpresa, tampouco novidade. A grande revolução em curso ocorre no perfil da mão-de-obra. Mais especificamente, no gênero dos profissionais responsáveis pela concepção e produção dos vinhos. Hoje, cerca de 40% das enólogas brasileiras são mulheres, todas jovens e sedentas em derrubar as últimas barreiras de machismo que ainda existem nessa área.

Com isso, aos poucos, vai ficando para o passado aquela imagem do homem de meia-idade, sentado em uma elegante poltrona de couro uma taça na mão e o charuto na outra, como o grande responsável pelos vinhedos. Quem está acompanhando de perto essa transformação é Fabiano Maciel, que durante 20 anos foi responsável pela exportação da Miolo e hoje é CEO da Interbev, empresa que prepara essas jovens vinícolas para o complexo e desafiador mercado nacional. “A entrada delas no mundo do vinho, além de aportar mais delicadeza, elegância e finesse aos rótulos produzidos no Brasil, contribuirá significativamente para acelerar a maturidade dos consumidores daqui, pois o estilo e conceitos adotados pela maioria das enólogas segue um padrão muito próximo ao europeu”, diz.

Marianne Piemonte/VEJA

Fabiane Veadrigo: vinícola centenária


Uma das primeiras vinícolas do país a ter uma cara feminina é a da Família Veadrigo, em Flores da Cunha, cidade da Serra Gaúcha reconhecida pela produção de uvas e povoada principalmente por imigrantes italianos. Quem está à frente do negócio centenário hoje é Fabiane Veadrigo, de 38 anos. Agrônoma e enóloga, ela faz parte da quarta geração da família responsável pelo negócio. A primeira da casta de enólogas foi sua bisavó, Maria Franzói, a nona Maria, que em 1944 assumiu a empresa. Em homenagem à tradição do clã, ela criou o rótulo Le Donne, uma homenagem às mulheres fortes e do “lavoro”, com diz com forte sotaque. “Um encorpado corte de Merlot e Tannat, para acabar com a ideia de que elas preferem vinhos levinhos”, conta, resumindo as qualidades do rótulo bem pontuado nas avaliações de especialistas.


A conquista desse espaço no mercado pelas mulheres não foi um processo fácil. “Ainda é um território machista, mas está mudando”, conta  Aline Fogaça, de 43 anos, que trabalha há mais de duas décadas para a vinícola de sua família, a Velho Amâncio, no Vale Central Gaúcho, em Santa Maria. Em 2016, ela lançou uma linha de espumantes com a sua assinatura, entre eles o Vivelam Unique, um champenoise feito pelo método tradicional, em que a segunda fermentação ocorre na garrafa, que fica 24 meses em contato com as borras para ganhar uma complexidade que não perde em nada para outras marcas. Apesar de ser uma especialista nesse método, Aline conta que, no passado, em alguns momentos, parecia que alguns homens precisavam de uma segunda opinião antes de aceitar a posição dela. 


Divulgação/VEJA

Paula Schenato: responsável pela Terra Fiel 


Quem também já teve de esperar suas ideias serem validadas por outros homens antes da aprovação e fazer cara de paisagem para algumas gracinhas foi a enóloga Paula Schenato. Formada pelo Instituto Federal de Bento Gonçalves, bióloga e mestre em fototecnia. Há três anos, ela resolveu alçar voo próprio com a Terra Fiel, que vinifica com uvas da Serra e da Campanha Gaúcha. Seu Pinot Noir é surpreendente e em uma degustação às cegas pode ser confundido com vinhos de importantes terroirs europeus. “Meu projeto é que o vinho expresse a minha cara, são leves, frutados e jovens”, contou Paula à coluna AL VINO.


Divulgação/VEJA

Janaína Marzarotto: pioneira no ofício


No Brasil, a primeira enóloga a fundar sua própria vinícola foi Janaína Marzarotto. Natural de Flores da Cunha, ela trabalhou até 2014 nas vinícolas da família, na produção de vinho suave, até que resolveu abrir a própria empresa e, em 2017, tirou de lá a primeira safra da vinícola Marzarotto. Os vinhos têm a personalidade dela até no rótulo: coloridos, jovens e vibrantes. Seu Pleno rosé, um corte de Merlot, Syrah, Cabernet Franc e Pinotage é um sucesso de vendas e extremamente versátil, pode acompanhar queijos, sushis e carnes temperadas ou simplesmente uma boa prosa, por R$ 78. Essa é inclusive uma característica dos vinhos de todas as enólogas brasileiras, com valores possíveis e uma ótima relação  custo-benefício, sempre na casa dos R$ 100.


A proporção de mulheres brasileiras ganhando espaço no mercado é ainda mais impressionante quando comparada com o cenário internacional. No “Velho Mundo”, que tem séculos de litros produzidos à nossa frente, essa invasão feminina também foi iniciada, mas a passos muito mais lentos. Na Itália, por exemplo, há apenas 14% de trabalhadoras nos vinhedos e vinícola (ou seja, o Brasil tem proporcionalmente quase três vezes mais mulheres enólogas do que o país europeu), segundo Donatella Cinelli Colombini, presidente nacional da Associazione Donne del Vino (Mulheres do Vinho), em Moltalcino, Na Toscana.

Apesar da serem apenas 14% entre os vinhedos, são 76% na administração de enoturismo e 51% no trade, ou comércio de vinho. Em relação ao consumo, elas superaram os homens (55%). São também a maior parte das pessoas que reservam visitas e experiências em vinícolas. Nos cursos de formação como o Wset (Wine and Spirit Education Trust)

e nas escolas de formação para sommelier italianas, 40% do público é de mulheres. Mas quais são os efeitos positivos desse novo protagonismo? “As mulheres possuem uma maior atenção e respeito ao meio ambiente, buscam a qualidade e a diversificação produtiva, afirmou à publicação Vino, donne e leadership  Donatella Cinelli Colombini, Presidente Nazionale Associazione Donne del Vino, de Montalcino.

 

                                                                                                                                   Marianne Piemonte/VEJA

Andrea Trentin: “Disseram que eu não ia durar um ano”


Por aqui, o mesmo fenômeno da ascensão feminina se repete nessas mesmas áreas, embora a conquista mais significativa seja mesmo a da abertura de espaço delas no ofício de enóloga. Boa parte delas começou a trabalhar no “chão de fábrica” antes de conseguir essa posição mais elevada. Dentre os projetos que a coluna teve oportunidade de conhecer, o mais recente é o Ela Franc, criado pela enóloga, arquiteta e sommelière Andrea Trentin. 


Mesmo com todas essas credenciais, ela trabalhou como operadores de cantina, carregando mangueiras e retirando borras de dentro de barris. Aos poucos, começou a prosperar. Ganhou experiência trabalhando em vinícolas com a prestigiada Manus Vinhos e Vinha. Certa vez, descobriu em um galpão que pertencia à família dela garrafas da década de 50, da Vinícola Rio-Grandense. Foi quando ela e a mãe decidiram criar um vinho que valorizasse esse estilo mais antigo produzido na Serra Gaúcha. No paladar desta colunista, o vinho da Andrea não tem nada de antigo, ele não poderia ser mais atual: madeira na medida, muita fruta e com taninos gentis. “Quando iniciei, me disseram que eu não ia durar um ano”, lembra Andrea. Como se vê, ele não apenas durou muito mais que isso — e se tornou uma das grandes representantes da promissora safra de enólogas brasileiras.

 

*colaborou Ana Paula Tamarozzi, de Blevio, Lombardia, Itália


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