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Foto do escritorJúlio César Kunz

Entrevista com Steven Spurrier

Originalmente publicada na revista Bon Vivant em 2009



Steven Spurrier, crítico de vinhos britânico, atualmente é consultor editor da revista Decanter, uma das mais importantes publicações críticas sobre vinhos e dirige o curso de vinhos da Christie’s, famosa casa de leilões. O jornalista inglês é também fundador de L’Academie du Vin, uma escola sobre vinho direcionada para ingleses e americanos que viviam em Paris, mas que ganhou fama e prestígio também entre os parisienses e acabou sendo adquirida pela família Baron de Rotschild em 1988. O britânico ganhou destaque no mundo do vinho ao promover a degustação de Paris em 1976, comparando vinhos californianos e franceses em degustação às cegas, história que serviu de inspiração para o filme Bottleshock: a doença da garrafa lançado em 2008. Nesta entrevista publicada originalmente na revista Bon Vivant, Steven lembrou um pouco da história da famosa degustação que mudou o mundo do vinho e falou também sobre o papel da crítica especializada e seu futuro no vinho.


Steven Spurrier conduz o Julgamento de Paris em 1976
Steven Spurrier (centro) conduz o Julgamento de Paris em 1976

Júlio César Kunz: Gostaria de começar falando sobre o julgamento de Paris, que é tão importante para a mudança de paradigma que houve no mundo do vinho. Na sua opinião, qual é a próxima mudança de paradigma? Steven Spurrier: Você deve lembrar que em 1976 os vinhos franceses dominavam completamente o mundo, os vinhos do Novo Mundo simplesmente não tinham voz. Havia alguns vinhos interessantes na Califórnia, por isso eu quis confrontá-los com vinhos franceses. Nem se falava em Austrália, nem no Chile ou na Argenina. Então, o resultado histórico de 1976 foi a primeira quebra da supremacia francesa no mundo do vinho. Eu não pensei em criticar os vinhos franceses quando organizei a degustação, o que eu queria era que os vinhos da Califórnia fossem reconhecidos. Eu era a última pessoa a esperar que os vinhos californianos ganhariam nos brancos e nos tintos, eu estaria muito feliz com o segundo e o quarto lugares. Mas se eles tivessem sido segundo e quarto ninguém falaria disso. Então, foi muito melhor que a degustação de Paris tenha se tornado um acontecimento histórico exatamente como foi. E isso foi ainda melhor para a França, pois eles se deram conta de que descansaram sobre os seus louros por tempo demais.

Então, o próximo confronto… eu não sei. Acho que todos os vinhos podem ser comparados uns com os outros hoje em dia. Eu acho que a Argentina está elaborando vinhos maravilhosos, eu não vejo nenhum valor em escolher um país como a França e um outro como a Argentina e dizer: “Certo, nossos Malbec são melhores que os seus!” Isso não tem mais nenhuma utilidade. Mas em uma degustação comparada ampla, os malbec argentinos devem se sobressair, é nessa posição que eles devem estar. Então, acho que degustações às cegas ou comparações abertas entre vinhos de todo o mundo são importantes.


JCK: Naquele momento, você tinha ideia da dimensão que o Julgamento de Paris poderia tomar como de fato aconteceu? Steven: De forma alguma. Quero dizer, eu tinha a minha loja de vinhos em Paris, eu tinha L’Academie du Vin e tudo o que eu queria ao convidar os nove melhores degustadores na França – pessoas que eu acreditava que eram os melhores e eles respeitavam o meu trabalho –, era o reconhecimento da qualidade dos vinhos elaborados na Califórnia. É uma região de produção histórica, eles elaboram vinhos lá desde 1850. Eu queria reconhecimento para aqueles vinhos e não simplesmente derrubar a França. Com o bicentenário, o 200o aniversário da independência dos EUA, eu não queria nada de negativo para a França. Por que eu deveria querer isso? Eu trabalhava na França naquele momento.


JCK: Você acredita que desde então a imprensa e os críticos entenderam o poder e a importância que eles têm? Como você acha que isso se desenvolveu? Isso é bom ou ruim? Steven: Bem, eu acho que os críticos de vinhos têm um poder extraordinário e acho que eles não deveriam abusar desse poder. Há muitos blogs por aí, pessoas que não têm experiência em degustar vinhos que estão expondo a sua opinião nos seus blogs e alguém copia isso e publica nos seus blogs e assim por diante. Então, para ser um crítico de vinhos honesto, você tem que ter uma grande experiência naquilo sobre que você está falando, você tem de ser muito hábil em julgar os vinhos de forma independente e você tem de ser capaz de falar de maneira que informe o público e não simplesmente para inflar o seu ego. Há uma coisa acontecendo na crítica de vinhos: eles estão pensando que são importantes, nós não somos! Nós apenas informamos o público.


JCK. Numa das mesas redondas nós vimos duas gerações no palco. Gary Vaynerchuk, especialmente, foi, ao menos, muito inovador e tem uma forma diferente de se comunicar. Você acredita que esse é o começo de uma nova escola na crítica de vinhos? Steven: Sim, acredito muito nisso. Eu quero dizer que Gary e eu somos de mundos diferentes. Ele é jovem o suficiente para ser meu filho; eu sou da mídia impressa, claro que estou na internet também, mas a abordagem dele é totalmente diferente da minha ou da Decanter e isso que a Decanter está fazendo um trabalho enorme na internet. Acho que a linha que ligou todas as apresentações daquela mesa redonda foi o fato de sermos todos pessoas apaixonadas pelo vinho e apaixonadas em informar o público sobre o vinho. E ele faz isso de um modo muito diferente daquele que a Decanter faz. Gary é a nova forma de comunicação. Essa é a forma da geração mais jovem, que são os principais consumidores do futuro, buscar informações.


JCK: Uma das principais questões que vimos no Wine Future Rioja 09 é o problema de atrair novos consumidores, especialmente os mais jovens. Aqui na Europa há o programa Vinho com Moderação. Você acha que esse tipo de programa pode contribuir com essa missão? Steven: Acho que nos EUA é muito diferente. A apresentação do Mel Dick mostrou que os millenial – pessoas com a idade entre 15 e 25 anos hoje – representam 70 milhões de pessoas hoje nos EUA, Essas pessoas serão os futuros consumidores de vinhos. Há algumas pessoas que seguirão Gary. Os EUA tiveram a Lei Seca, não funcionou e eles não querem mais isso, hoje se fala em liberdade. Isso são os EUA. Na Europa e principalmente na França se está indo por um discurso anti-álcool: que o vinho é ruim para você, que você não deveria beber mais de duas taças por dia, etc. E há um movimento proibicionista muito forte crescente na Europa que está quase convencendo os jovens a não beber. Há também, como o Justin [Howard-Sneyd MW, comprador da Waitrose] falou, outras alternativas para o vinho: podem ser vinhos frisantes, saborizados, etc. Uma vez que os jovens forem atraídos por algo que é uma espécie de vinho, mas mais divertido, eles podem entrar no mundo do vinho inteiramente. Há de se ter um grande programa de educação para os jovens dizendo que o vinho é um produto natural, um produto agrícola, que é bom ou ao menos, que não é perigoso.


JCK: Você já degustou vinhos brasileiros? O que você pensa deles? Steven: Eu estive no Brasil há cerca de três anos na feira de vinhos de São Paulo. Degustei alguns vinhos brilhantes, os da Lídio Carraro, para mim, são fantásticos. Além desses, eu degustei uma boa gama de vinhos e achei todos com bom potencial. Provei vinhos de uma determinada vinícola do Nordeste do Brasil também, que são vinhos mais básicos, mas são divertidos – eles têm duas safras por ano, ou algo assim. Eu não diria que vocês têm de manter distância da Argentina ou do Chile, mas eu acho que o setor vitivinícola brasileiro está crescendo, vocês precisam apenas de mais vinhedos para chegar a uma massa crítica. Mas provavelmente vocês não precisem exportar, pois acho que vocês devem consumir todo o vinho no mercado doméstico…


JCK: Na última década vimos o consumo de vinhos domésticos finos cair e o consumo de importados crescer. Steven: Isso mostra a sofisticação do Brasil. É como na China. Eu acho que isso mostra mais uma sofisticação positiva do que uma imagem negativa dos vinhos brasileiros. A Lídio Carraro estava na London Wine Fair nesse ano e acho que o Brasil está querendo exportar. Entre os primeiros mercados têm de estar o Reino Unido e os EUA. Os vinicultores que brasileiros que eu encontrei me impressionaram muito.


JCK: Após degustar os vinhos expostos no WineFuture Rioja’09, qual é a sua visão geral sobre os vinhos brasileiros? Steven: Bem, eu não degustei nenhum vinho branco, então só posso falar sobre os tintos. E degustei dois Merlot, dois Cabernet Sauvignon, um corte com um pouco de Tannat e um corte de variedades portuguesas. Eles parecem ser bem elaborados, na verdade, eles são muito bem elaborados. Eu não conheço os vinhedos, mas eles parecem expressar a sua origem, eles parecem ter uma personalidade, o que significa que eles refletem de onde vêm. Eles parecem ser muito equilibrados em álcool: em nenhum dos seis vinhos eu detectei álcool muito elevado, nenhuma queimação na parte de trás do palato. O carvalho é bem usado, quando usado. Uma linha de vinhos muito harmoniosa e interessante. Eu gostaria de conhecer mais, degustando apenas seis. De qualquer forma pude perceber uma vinificação muito pura e limpa que expressa a origem. Isso é o que realmente se quer.

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