A casta ajudou a cristalizar a cultura da vinha no Brasil
"La brasiliana": é assim que se chamava a Isabel na Serra Gaúcha, uma uva tão brasileira quanto os imigrantes e seus descendentes. Essa variedade de uva híbrida entre cepas indígenas americanas e europeias adaptou-se de maneira única no Sul do país e foi a grande responsável pela cristalização da cultura da vinha no Brasil. O tema foi o assunto principal do Bella Ciao no dia 5 de abril (acompanhe a transmissão completa ao final deste artigo).
Novas variedades de uvas podem nascer de uma polinização natural quando o pólen se encontra com a flor. A Cabernet Sauvignon, uma vinífera autóctone de Bordeaux, por exemplo, foi o resultado de um cruzamento natural entre a Cabernet Franc, procedente do País Basco, e a Sauvignon Blanc, nascida no Vale do Loire, na França. Também por meio desse processo natural tomou forma a Isabel. Não se sabe, no entanto, de qual cruzamento, mas se pode afirmar que foi de uma hibridização entre vitis labrusca com uma vitis vinífera. Em Dorchester, na Carolina do Sul, nos Estados Unidos, ela se mostrou muito resistente. A origem do nome tem raízes em solo norte-americano, pois o Coronel George Biggs a plantou no Brooklin, em Long Island, hoje Nova Iorque. William Robert Prince, diretor do Jardim Botânico de Linnaean, divulgou muito a variedade e batizou a uva em homenagem à esposa de Gibbs, Isabella.
Essa cultivar foi trazida para o Brasil por Thomas Messiter em 1840 e duas décadas depois já era a uva americana mais plantada no Rio Grande do Sul, especialmente pelos açorianos no Litoral e na Metade Sul. Depois os alemães se encarregaram de levar a Isabel para a Serra Gaúcha. A Isabel, assim como outros cultivares americanos, foi objeto de preconceito. "A Isabel, com sua difusão vitoriosa através do Rio Grande do Sul, contribuiu poderosamente para atrasar o surto vitivinícola rio-grandense, no sentido de expulsar deste estado as castas produtoras de vinhos de alta classe", escreveu Celeste Gobatto, um enólogo importante daquele período que foi testemunha do desenvolvimento da variedade em solo gaúcho.
Ela é uma planta muito produtiva, resistente à filoxera e ataques fúngicos e apresenta maturação tardia. Prioritariamente é reservada para vinhos de mesas e sucos. O aroma da Isabel é de frutas vermelhas bem frescas, como morango e amora vermelha. Quem dá esse perfil é o Metil antralinato, mesmo elemento presente no suco de uva brasileiro e que o faz tão especial comparado com os europeus que são muito neutros. Tudo graças a esse aroma das uvas americanas, a marca do suco de uva verde-e-amarelo.
Como demonstra o gráfico abaixo, a Isabel tem cor pouco intensa e é bastante aromática. Ela tem pouco tanino e potencial alcoólico baixo, assim como pouco corpo e uma acidez média para alta. Essa combinação dará vinhos extremamente leves e com potencial de degradação muito rápida. Por essa razão vinhos de qualidade são em geral elaborados com vitis vinífera.
No entanto, há bons vinhos de Isabel sendo feitos pelo movimento natureba – alguns, inclusive, são muito complexos. Para quem gostaria de se aprofundar na história dessa variedade, procure ler o livro “A epopeia da uva Isabel no RS”, escrito por Firmino Splendor, enólogo e primeiro presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE).
Autor: OIV MSc Júlio César Kunz
Psicanalista, sommelier, mestre em vinhos na França, presidente e professor homologado da ABS-RS
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