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Chaptalização e outras correções do mosto

Métodos são usados para que o vinho atenda qualidades mínimas desejadas



Jean-Antoine Chaptal (1756-1832), químico francês descobriu que a adição de açúcar ao mosto poderia resolver o problema do baixo teor alcoólico de vinhos em certas safras especialmente de regiões mais frias e úmidas. Tal descoberta foi decisiva também para a padronização da qualidade dos vinhos de Champagne. Desde então, a enologia evoluiu para incrementar a qualidade dos vinhos antes mesmo de a fermentação alcóolica iniciar. Esse foi o tema do encontro do Movimento Bella Ciao onde abordei as principais técnicas que os enólogos aplicam nos mostos em busca da perfeição de seus vinhos (veja a aula completa no canal do YouTube da ABS-RS. Você encontra o link direto ao final deste artigo).


Inicialmente precisamos lembrar do conceito de terroir, definido pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), antes de tratarmos o tema da correção do mosto com minúcia. Segundo a entidade, terroir remete a um espaço no qual está se desenvolvendo um conhecimento coletivo das interações entre o ambiente físico e biológico e as práticas enológicas aplicadas, proporcionando características distintas aos produtos originários deste espaço. Como sabemos, em algumas situações, não temos os melhores terroirs – fato que sempre me leva a afirmar que quem começa a plantar uva é preciso que aprenda a rezar. Afinal, produzir vinho é uma tarefa que é muito dependente das questões naturais. Além do mais, outros fatores influenciarão, como o ciclo da videira, o sistema de condução, a poda, a escolha da casta ou mesmo tratamentos fitossanitários.


A uva é uma fruta não-climatérica, ou seja, vai amadurecer enquanto estiver na videira. Quando for tirada dali, não amadurece mais. E o amadurecimento não envolve apenas formação de açúcar que, na parte da fermentação do mosto, fará com que o álcool seja incorporado ao vinho. Essa fase também envolve evolução dos taninos (maturação fenólica), da acidez e dos aromas. Em resumo, a uva está plenamente madura quando há o alinhamento das três janelas de maturação (açúcar/acidez, fenólica e aromática). Outra fase importante é o pintor que confere cor aos grãos que normalmente acontece entre 50 a 70 dias antes da cultivar estar plenamente madura para a colheita.


Para a obtenção de cada um grau de álcool, são necessários 17 gramas por litro de açúcar na uva. O ideal para a conservação e qualidade do vinho é que o mesmo contenha cerca de 12 graus alcoólicos. Para tanto, a uva madura terá de conter mais de 200 gramas por litro de açúcar, ou cerca de 22 graus Brix. Originalmente, a legislação de 1988 dizia que os vinhos finos deveriam ter entre 8,6% e 14% de volume alcoólico. Acima disso o produto teria de ser denominado vinho licoroso. No entanto, um pequeno adendo à lei, a Instrução Normativa 14 considerou um padrão alcoólico de até 16% para os vinhos finos, desde que o grau alcoólico tenha sido obtido naturalmente, pela fermentação, ou seja, não podendo ser fortificado. A mudança foi um ajuste para poder se adaptar à nova realidade dos vinhos, que hoje, especialmente em regiões mais quentes, costumam ultrapassar os 14% de álcool com certa naturalidade.


O artigo 6 dessa mesma lei afirma que para o adoçamento do derivado da uva e do vinho cujo padrão de identidade e qualidade permita o acréscimo de açúcares, é permitida a adição de sacarose, a qual pode ser substituída total ou parcialmente por açúcar invertido, glicose ou frutose na forma sólida. De acordo com a legislação vigente no Brasil, é permitido corrigir até 3 graus alcoólicos, no entanto esse índice cai para 1% nos Reserva, enquanto os vinhos Gran Reserva não podem ser corrigidos (clique aqui para acessar, na íntegra, a lei).


O álcool surge de uma reação onde as leveduras fazem a fermentação se utilizando do açúcar da uva para produção de etanol. Por essa razão, o álcool é baseado na quantidade de açúcar contido na fruta. As leveduras morrem em contato com o álcool. No entanto, acima de 15 graus, isso não mais ocorre e a quantidade que sobra vira açúcar residual. Porém, se a uva não contiver o teor necessário de açúcar, algo que pode ocorrer em razão de questões climáticas, da cultivar ou do próprio terroir? Aí que entra a chaptalização.


Essa técnica existe pelo menos desde a virada do século 19. Seu nome vem de Jean-Antoine Chaptal, ministro do Interior de Napoleão, que lhe deu o endosso oficial do governo francês e o promoveu em seu livro de 1801 chamado Traite Theórique et Pratique Sur la Culture de la Vigne. No entanto, esse método pode ser muito mais velho que isso, já que alguns especialistas dizem que os antigos romanos usaram mel para alcançar o mesmo efeito. A chaptalização ganhou importância depois da crise da filoxera que dizimou os vinhedos na Europa, especialmente na França. Como os produtores foram obrigados a produzir mais, com menor qualidade, isso deu abertura para muitas adulterações na bebida. Por causa disso foram implantadas as técnicas de correção como uma tentativa de melhor orientar os produtores para ter um vinho de melhor qualidade.


Tecnicamente chaptalização é a prática que consiste na correção da deficiência de açúcar da uva com sacarose. Além de favorecer o equilíbrio do vinho através da elevação do grau alcóolico, ela também contribui na extração dos compostos fenólicos e aromáticos durante a maceração da uva. O álcool é capaz de modificar a percepção sensorial dos atributos aromáticos e facilitar a detecção dos compostos voláteis. Sendo assim, o álcool tem papel fundamental na viscosidade, nas percepções de adstringência, acidez, doçura, aroma e sabor e também na conservação do produto final.


A chaptalização vai introduzir açúcar no mosto da uva para alcançar o grau alcoólico desejado, um processo de correção para as situações onde não há a quantidade de açúcar necessária para determinado graduação perseguida pela vinícola. Esse processo nada mais é que uma escolha a ser feita para que o produto final atenda questões necessárias pretendidas. Portanto, é uma decisão natural, tendo em vista que pode haver problemas ao longo de uma safra, seja uma grande produção, problemas na condução da videira, ou mesmo uma fruta que não chegou ao ponto ideal. Não é pejorativo utilizar essa técnica visto que a chaptalização busca melhorar a qualidade do vinho, entregando ainda mais para o consumidor.


Ela é muito comum em regiões mais frias e muito úmidas, onde as uvas têm dificuldade para alcançar o amadurecimento e podem ser colhidas com menor teor de açúcar e maior acidez. Ela é permitida (em diferentes graus) na França, Alemanha (não pode ser usado em Pradikatswein), Oregon e Nova York (EUA), Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido. Não é permitida na Argentina, Austrália, Áustria, Califórnia (EUA), Itália, Grécia, Espanha, Portugal e África do Sul.


Já na acidificação se adicionam ácidos (geralmente tartárico e málico) a fim de aumentar a acidez final de um vinho. Essa técnica é frequentemente usada quando as uvas são colhidas muito maduras e, como resultado, produzem vinhos com baixa acidez e um pH alto que, por sua vez, fará com que o vinho seja instável. Nesses casos, um pH alto também pode proporcionar surgimento de bactérias. Ela é comumente usada em regiões mais quentes onde as uvas podem ser colhidas muito maduras (muito doces). É comum em áreas como Argentina, Chile, Austrália, Califórnia e no Estado de Washington (EUA), Itália e África do Sul. Não se costuma fazer na região norte da França, Alemanha, Áustria, Oregon (EUA) e Nova Zelândia.


Sobre a autora: Caroline Dani é Diretora de Relacionamento com Alunos da ABS-RS. Sommelier profissional formada pela ABS-RS/ABS-SP. Possui graduação em Biomedicina pela Universidade Feevale (2004), mestrado (2006) e doutorado (2008) em Biotecnologia pela Universidade de Caxias do Sul (2006). Pós-doutorado na Georgetown Lombardi Comprehensive Cancer Center na Georgetown University, Washington, DC, EUA. Atualmente é professora do do Programa de Pós Graduação em Farmacologia e Terapêutica da UFRGS. Pós-Doutoranda na UFRGS. E membro da Comissão de Segurança e Saúde da OIV no Brasil. Tem experiência na área de Nutrição, com ênfase em Bioquímica da Nutrição.


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