Aprenda a identificá-los com alguns exercícios
Uma das partes mais importantes da degustação de vinhos é a descrição correta de aromas e sabores durante as análises olfativa e gustativa. Diversos descritores são utilizados para apresentar essas percepções, mas de onde surgem essas sensações? Esse assunto, que também abordo neste artigo, foi tema de um dos episódios recentes do Bella Ciao (veja a aula completa que lecionei no link ao final).
Os aromas são compostos químicos voláteis facilmente percebidos pelos neurônios olfativos nos órgãos olfativos. O aroma da maçã verde, por exemplo, vem da presença de ésteres na fruta, como o acetato de etila e o etanoato de butila. Se um vinho tiver estes mesmos ésteres, apresentará um odor que nos lembrará a maçã verde, por exemplo. As uvas possuem diversas moléculas de aromas e diversos precursores aromáticos, moléculas que, ao se transformarem por processos bioquímicos, se tornam aromas. Parte importante do processo de vinificação é cuidar para que o vinho apresente a melhor expressão aromática possível. Outro exemplo: vinhos finos (feitas com a espécie Vitis vinífera) não costumam apresentar aromas e/ou sabores de uvas. Isso porque este aroma está muito ligado ao éster antranilato de metila, presente apenas nas uvas americanas (Vitis labrusca) ou híbridas, usadas para a elaboração de vinhos de mesa e suco de uva.
O perfil aromático de um vinho tem três origens principais: a uva (tipo de casta, clones, terroir, clima, tipo de solo, etc); a microflora fermentativa (leveduras e bactérias) e o amadurecimento e o envelhecimento (sur lie, passagem por carvalho e oxidação). Boa parte da conversão de precursores aromáticos é feita pelas leveduras. As vinícolas podem escolher cepas específicas para favorecer a formação de aromas mais florais ou frutados. Quando a bactéria láctica transforma o ácido málico em ácido lático, o vinho poderá ter notas láticas, como manteiga e nata. Quando se amadurece o vinho em contato com as borras finas, a autólise das leveduras pode originar notas de pães e brioche. Os compostos de aroma e sabor representam até 0,2% do volume total de um vinho. Ou seja, em uma garrafa de 750 ml, é ínfimo o volume das substâncias responsáveis pelos aromas e sabores, mas seu impacto é de extrema importância. Vinhos de menor qualidade costumam ter menos descritores aromáticos e mais genéricos, sem grande nitidez.
Os aromas e sabores primários vêm das uvas e da fermentação alcóolica. E o clima é um importante fator para definir quais tipos de frutas podem prevalecer em vinhos produzidos a partir da mesma casta. Em climas frescos é mais comum a presença de aromas de frutas frescas. A Chardonnay em Chablis, por exemplo, apresenta notas de limão e maçã verde. Em climas moderados, notas de frutas mais maduras tendem a aparecer, como frutas de caroço nos Chardonnays da Côte Chalonnaise, na Borgonha. Em climas quentes podem surgir notas de frutas sobremaduras (geleia e/ou compota), além de notas tropicais, como em alguns Chardonnays da Califórnia, nos Estados Unidos.
Já os aromas e sabores secundários estão ligados a algumas etapas do processo de produção do vinho após a fermentação alcoólica. Nem todos os rótulos apresentaram essas características, pois nem todos os vinhos passam por esses processos que descrevo a seguir. As notas chamadas autolíticas surgem do contato do vinho com as borras finas (sur lie). Daí podem surgir notas de pães, como nos espumantes, por exemplo. Nos vinhos tranquilos, a bâtonnage [nome para o ato de pegar uma vara e mexer o fundo da barrica de vinho, revolvendo leveduras mortas que lá se depositam com o tempo] favorecerá a formação desses aromas, como em alguns Muscadet do Vale do Loire, na França. A conversão malolática dará aos vinhos notas de manteiga, queijo, nata ou creme batido. A maior parte dos brancos não faz conversão malolática, mas essas notas costumam ser encontradas em Chardonnays de clima moderado e quente. Também existem aromas que podem vir do contato do vinho com carvalho, como as especiarias doces, notas tostadas, café, coco e baunilha. Vale ressaltar que nem todos os vinhos passam por madeira.
Por fim, os aromas e sabores terciários surgirão do amadurecimento e do envelhecimento. Aqui cabe uma diferenciação: a maturação é uma etapa que acontece entre o término da fermentação e o envase. Já o envelhecimento é o termo usado para designar o período entre o envase e a abertura da garrafa. Ou seja, o período em que o vinho está engarrafado. Esses descritores aromáticos poderão surgir por meio da oxidação deliberada que dará notas de amêndoas ou caramelo, como em alguns Porto Tawny, Banyuls ou mesmo Jerez. Tratam-se de notas de amadurecimento em razão do contato com o oxigênio.
É importante verificar a evolução da fruta nos aromas terciários em diferentes vinhos. Nos brancos o damasco fresco se tornará seco. A maçã, por sua vez, lembrará a fruta desidratada. Como se vê, o fruto se transforma. Nos tintos evoluídos podem surgir notas como figos e cerejas secas, licor de frutas e kirsch – características de grandes Cabernets, por exemplo. Ainda é possível obter aromas provenientes do envelhecimento em garrafas. Alguns brancos terão notas de querosene ou petróleo, como ocorre em alguns Rieslings. O floral fresco vai virar flores secas ou mel. Nos tintos envelhecidos em garrafa terão descritores como couro, carne curada, cogumelos, fundo de bosque, notas de tabaco e caixa de charuto.
Como praticar
Escolha uma família aromática para estudar, como frutas cítricas, por exemplo (limão siciliano, limão taiti, laranja e pomelo). Separe de três a cinco amostras. Cheire e as compare. Com o auxílio de alguém, teste as amostras às cegas. Tente distinguir cada descritor. Acertou? Siga para a próxima família. Errou? Tente novamente até memorizar os aromas. Um segundo exercício é o aprofundamento aromático.
O teste também pode ser feito com um descritor específico, como a laranja, para perceber as nuances entre essa fruta fresca, sua casca, a flor de laranjeira e a geleia. Separe de três a cinco amostras. Cheire e as compare. Com o auxílio de alguém, teste as amostras às cegas. Tente distinguir cada descritor. Acertou? Siga para a próxima família. Errou? Tente novamente até memorizar os aromas.
Também é possível fazer o caminho contrário escolhendo um vinho. Recomendo, por exemplo, um estilo clássico, como o Sauvignon Blanc de Marlborough, da Nova Zelândia. Leia o perfil em guias ou mesmo fichas técnicas de vinícolas que descrevem os aromas mais presentes, como maracujá, pimentão verde, madressilva e groselha verde. Sirva uma taça e procure encontrar esses aromas. Também é possível fazer esse exercício usando um vinho de Bordeaux de base Cabernet Sauvignon, por exemplo. Nesse caso, é fácil de encontrar descritores como licor de cassis e caixa de charuto.
Cheire quase tudo que encontrar. Use os léxicos disponíveis como referências, mas use principalmente suas referências pessoais. Sempre comece com os aromas e sabores frutados. Alguns aromas e sabores estão geralmente relacionados, como limão e lima, maçã e pera. Busque variações do mesmo descritor em uma amostra, como limão, casca de limão e creme de limão. Não se empolgue demais: descreva apenas os aromas e sabores que você percebe e tome nota de suas degustações. Em uma prova ou exame de vinhos não use perfumes, cremes ou qualquer cosmético com cheiros fortes. Também não escove seus dentes ou ingira alimentos ou bebidas com sabores fortes antes do teste. Não fume antes da prova e limpe o paladar com água entre cada amostra de vinho.
Sobre o autor: Vinícius Santiago é diretor de degustação e professor ABS-RS. Sommelier profissional formado pela Associação Brasileira de Sommeliers, Sommelier de Cervejas pela Doemens Academy, WSET Level 3 Award in Wine and Spirits, Formador Homologado de Jerez, Formador Certificado de Vinho do Porto, French Wine Scholar e aluno do curso superior em viticultura e enologia (IFRS). Sommelier de vinícolas no Brasil e na França, hoje é professor do WSET Level 1 e Level 2, professor do FWS, consultor de vinícolas e lojas de vinho e sommelier da Santiago Cursos e Eventos.
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