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Foto do escritorVinícius Santiago

O mundo tem seu melhor Sommelier: Raimonds Tomsons

O Concurso de Melhor Sommelier do Mundo 2023, promovido pela ASI, foi vencido pelo letão, que se destacou nas desafiadoras provas de classificação e também no serviço de excelência executado na grande final



No dia 12 fevereiro acompanhei presencialmente, em nome da ABS-RS, a final do Concurso de Melhor Sommelier do Mundo em Paris. A final contou com um público de aproximadamente 4 mil espectadores, entre enófilos e profissionais da área na Arena Paris La Défense. Raimonds Tomsons, que já havia sido eleito o melhor da categoria na Europa e África em 2017, foi o campeão de 2023. Nascido na Letônia, ele enfrentou os também Sommeliers Nina Jensen (da Dinamarca, que ficou em segundo lugar) e Reeze Choi (da China, o terceiro colocado). O evento foi promovido na França pela Association de la Sommellerie Internationale (ASI) e pela Union de la Sommelerie Française (UDSF), país que não sediava o mundial desde 1989, quando o francês Serg Dubs venceu a competição. O Brasil sediou o concurso uma única vez: foi em 1992, no Rio de Janeiro, quando Phillipe Faure-Brac, atual presidente da UDSF, entrou na seleta lista dos melhores. No total, 68 candidatos estavam concorrendo na edição deste ano, a 17ª da história (acompanhe a final no vídeo ao final deste post).


Mais que a grande final, que estava bem difícil, as provas anteriores para chegar aos 17 semifinalistas e aos três finalistas eram muito complicadas. Eles foram submetidos a uma difícil prova escrita, com cerca de 100 questões descritivas (sendo que nenhuma delas era de múltipla escolha) envolvendo diversas bebidas e temas diversos, como viticultura, vinificação, legislação, classificação, história, mercado, regiões e suas características etc. Ainda tiveram de fazer uma prova de serviço com algumas surpresas (em uma mesa foi solicitado servir um determinado vinho em meia garrafa para quatro pessoas, no entanto, todas as garrafas disponíveis estavam em uma temperatura acima da ideal para o serviço, com enorme desafio de deixar o vinho na temperatura correta dentro dos três minutos da prova), além de duas provas de degustação, sendo uma delas de fermentados não alcoólicos, uma tendência atual de mercado. O mais indicado na prova onde as bebidas não estavam geladas era explicar o ocorrido, pedir desculpar pela falha e servir só um pouco, preferencialmente para o anfitrião e comentar que iria resfriar a garrafa num balde de gelo por alguns minutos. Cabe destacar que as perguntas envolveram ainda vinhos naturais, coquetéis e bebidas em geral, incluindo aquelas conhecidas pela sigla “NoLo” (no or low alcoholic products), bebidas sem álcool ou com baixo teor alcoólico, para as quais os concorrentes tiveram de compor um menu vegano de quatro tempos.


A prova teórica realmente tinha perguntas muito difíceis envolvendo fermentação alcoólica e até mesmo química fermentativa. Compartilho com vocês algumas delas com suas respectivas respostas. Você sabe quais as características em comum envolvendo Yamadanishiki, Dewa San San, Omachi e Miyamanishiki? São tipos de arroz usados para a fabricação de saquês. E onde está localizado o vinhedo comercial mais setentrional do mundo? Lerkekåsa Vineyard é o vinhedo comercial mais setentrional do mundo, situado em Telemark, no centro-norte da Noruega, quase no Polo Norte. Eles plantam uvas desde 2008 e elaboram bons vinhos desde 2012. E, por acaso, você tem noção do que seja Makgeolli? É um fermentado alcoólico de arroz típico da Coreia. É doce, dotado de uma consistência leitosa e de uma cor branca. É preparado através da fermentação de uma mistura de arroz cozido e água, possuindo uma taxa de álcool de cerca de 6,5% a 7%.


A prova final apresentou algumas novidades permeadas por algumas dificuldades adicionais, próprias da rotina da profissão, que exigiram foco e segurança dos finalistas. O palco simulava um ambiente de restaurante e cada candidato realizou o mesmo circuito individualmente. Logo que chegavam, os Sommeliers recebiam a notícia que o gerente não estava naquele turno e que deveriam realizar a gestão do serviço naquela ocasião. O primeiro teste foi realizar o serviço formal em uma mesa na qual os comensais solicitaram espumante e coquetéis Margarita e Old Fashioned, contando com o auxílio de uma bartender. Nesta prova era essencial questionar aos clientes como eles gostariam de seus coquetéis (qual tipo de whiskey, com a borda crustada) e apresentar corretamente as opções de espumantes (Prosecco, Corpinnat e Champagne).


Na próxima etapa eles tiveram que atender duas mesas simultaneamente, realizando em uma a decantação e o serviço de uma garrafa magnum (1,5 litro) de um Château d’Issan e, na outra mesa, onde dois convidados estavam para chegar, o sommelier deveria realizar a recepção dos clientes e o serviço de Champagne. A gestão do tempo nessa prova foi crucial, bem como a habilidade para alternar o serviço entre ambas as mesas. Em um concurso dessa magnitude, o resultado é uma consequência de cada detalhe, como a ordem do serviço, a movimentação do Sommelier no salão e a maneira de comunicar as informações solicitadas durante o serviço. Nessa etapa também foi solicitado parecer técnico sobre uma amostra de vinho às cegas, que seria servido em um evento dias depois. “A bebida nos foi oferecida por um amigo nosso que não está aqui, mas gostaríamos que você nos desse sua opinião sincera sobre o vinho”, questionava o jurado da ASI. A amostra tinha como defeito notável a acidez volátil, e que nenhum profissional apontou durante a prova.


No teste seguinte foram apresentadas quatro taças com vinhos brancos que os candidatos deveriam identificar às cegas. Eram dois Rieslings (um alemão e um austríaco) e dois Semillons (um argentino e outro da África do Sul). De forma complementar a este exame, foram apresentadas duas rochas, que os candidatos deveriam relacionar corretamente a duas das amostras. A ardósia tinha relação com o Riesling alemão, enquanto a gnaisse com o Riesling austríaco. Neste momento os candidatos se davam conta que tinham errado suas descrições e tentavam corrigir-se. A prova seguinte teve relação com esta última: os quatro vinhos brancos degustados foram revelados e deveriam ser harmonizados com pratos de um menu de alto padrão, desenvolvido pela chef Anne-Sophie Pic. Nesse ponto os candidatos descobriram o quanto tinham se equivocado no teste anterior – algo que ajudou a aumentar a tensão dos finalistas.


Na sequência foi apresentada uma lista de bebidas que estavam sendo ofertadas para o restaurante. O candidato teve dois minutos para identificar erros na descrição e na precificação dos rótulos, demonstrando conhecimento profundo do mercado de vinhos. A lista trazia dois Château Margaux – um de 1982 a 1600 euros e outro de 1983 a 250 euros. Acontece que o preço cobrado pelo rótulo de 1982 é muito caro, enquanto o valor pedido pelo vinho de 1983 é muito barato. Eles também deveriam notar que alguns rótulos apresentavam anos de safras inexistentes, caso do Tenuta San Guido Sassicaia, apresentado como sendo de 1969 quando, na realidade, a safra foi de 1968.


Por fim, foram apresentadas duas taças com vinhos tintos desconhecidos. Foi solicitado que realizassem uma análise organoléptica completa da primeira amostra em quatro minutos. O candidato recebeu a informação de que a segunda taça era do mesmo vinho de uma safra diferente, e que deveria identificar a safra e vender o vinho para o público que acompanhava a prova. Os vinhos avaliados eram nada mais, nada menos que Château Petrus das safras 2012 e 2003. Uma última prova foi realizada coletivamente, em que os candidatos deveriam identificar qual era o vinho a partir de uma série de fotos sequenciais que eram mostradas no telão. As imagens eram relacionadas aos produtos, da menos específica para a mais específica e, quanto mais cedo o rótulo fosse identificado, mais pontos o candidato faria.


A ASI busca popularizar a profissão com maior atuação na mídia e redes sociais. A presença de um bom público no evento presencial, assim como a boa audiência da transmissão ao vivo, demonstra que a iniciativa ganha corpo. Nos discursos de abertura evento, ficou evidente a preocupação da associação que representa a categoria em evidenciar o papel do Sommelier fazendo com que as pessoas entendam o que é exigido desse profissional. O ponto é que o nível de conhecimento exigido é imenso. Por isso, o candidato tem de entregar o melhor possível, pois o concurso é uma soma de pontos, evidenciada pelo maior número possível de acertos. Muitos dos candidatos que concorrem no último concurso estavam presentes nessa edição também. Tomsons, o terceiro colocado no último concurso, venceu, enquanto Nina repetiu a posição que havia conquistado em 2019, na Bélgica. Gerard Basset, que foi homenageado no evento, participou desse mesmo concurso seis vezes antes de ser aclamado o melhor do mundo em Santiago, no Chile, em 2010. É um título que muda a vida de um profissional. Aqueles que concorreram tem um reconhecimento muito importante em todo o mundo e devem ser valorizados.


O modelo de prova final é sempre muito similar: há testes de serviço, de análise sensorial e de harmonização que fazem parte essencial da profissão de Sommelier, além de provas envolvendo outras bebidas, pois o Sommelier é especialista em bebidas e produtos gastronômicos em geral e não somente em vinhos. O ponto é que, a cada concurso, as provas tornam-se mais difíceis ou têm um nível maior de dificuldade. Cabe ressaltar que ainda não temos nenhuma mulher e nenhum negro entre os melhores Sommeliers mundiais. É um desafio a ser enfrentado nas próximas edições e que será devidamente exaltado quando esse fato for concretizado.


Sobre o autor: Vinícius Santiago é diretor de degustação e professor ABS-RS. É Sommelier Profissional (ABS-RS), Pin Verde e Amarelo ABS-Brasil, ASI Certification 1, WSET Diploma, Formador Homologado de Jerez, Formador Certificado de Vinho do Porto, Educador de Vinho Madeira, French Wine Scholar, Italian Wine Ambassador, Sommelier de Cervejas pela Doemens Academy, Sake Expert pela Japan Sake Association e Mestre Alambiqueiro pelo IFFar. Atualmente é Head Sommelier do Víssimo Group (marcas Evino e Grand Cru).

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