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Foto do escritorPatrícia Binz

As muitas semelhanças entre vinho e charuto

E uni-los pode ser uma ótima oportunidade para deixar o momento ainda melhor





O momento do charuto é sempre de prazer, boa conversa e tranquilidade, assim como o de saborear vinhos. Uni-los pode ser uma ótima oportunidade para deixar a ocasião ainda melhor. Conversei neste episódio do Bella Ciao com a sommelière Raquel Aciole e também os sommeliers Diego Dall'Agnol e Gabriel Lourenço (veja ao final deste artigo o link direto do bate-papo no canal da ABS-RS no YouTube).


“Quando falamos em harmonização, a parte do terroir é o que mais vai influenciar na hora de escolher um tabaco com vinho para harmonizar. A construção de um charuto se dá basicamente em três partes: a capa, o capote e o miolo. São geralmente cinco meias folhas enroladas em processo manual”, ensina Gabriel. No entanto, qual a parte que mais exerce influência no resultado final? “Não há uma regra. Pode ser tudo. Em alguns charutos podem ser só um item ou outro. É como no vinho: o que influencia mais: a uva, o processo ou o envelhecimento? Depende, né? Então não precisamos ficar presos, pois depende do blend. Se pegarmos o interno de dois charutos iguais e colocar capas diferentes, eles irão mudar o sabor, mas não 100%. Assim como se pegarmos dois charutos de internos diferentes e capas iguais, também teremos um resultado diferente. Tudo depende do master blend, quem está enrolando o charuto e o que ele quer no resultado final”, completa o profissional que também é chef.


“Quando a gente fala em terroir, do charuto em si, da planta, temos um mundo muito complexo, assim como o dos vinhos. Acho que seria importante falar um pouco do terroir para explicar como a planta funciona. O terroir difere e você consegue ter experiências completamente diferentes com a mesma semente em solos diferentes. Se você tem uma matéria orgânica maior em um solo do que em outro, por mais que utilize a mesma planta e semente, vai obter resultados diferentes. Isso vai bater nitidamente na “dureza” do charuto. Por consequência, mais matéria orgânica tem maior geração de nitrogênio, que gera nicotina e dá fortaleza ao charuto. Então, além da planta, também tem que de ver tudo isso para fazer o blend e fazer com que o charuto se torne aprazível ao paladar. Claro que existem séries especiais que não vão agradar todos os paladares. Por exemplo: a quantidade de ferro no solo. Quanto mais ferro, mais sabor ao tabaco e também adstringência de boca. O terroir é responsável pelo tabaco inteiro, assim como acontece com a uva e os vinhos”, explica Diego.


“Charuto tem sabor, sim, inclusive aromas primários, secundários, terciários igualmente ao vinho. E falando um pouco de fortaleza, são cinco: suave, suave média, média, suave forte e forte. É o nível de intensidade. Para quem está começando, sempre indicamos a fortaleza suave, um charuto mais leve, elegante e tranquilo, da mesma forma que aconselhamos que inicie com um Pinot”, evidencia Raquel. Ela também ensinou como lidar com o charuto. “É preciso cortar o charuto. Geralmente, para os iniciantes, indico o cortador de lâmina dupla, mas existem também tesouras. O que precisamos no charuto é um corte preciso. Ele tem uma folha de acabamento que deve ser o direcionamento, o guia de onde cortar. Se cortar abaixo dessa folha, ele pode desconstruir à medida em que vamos fumando”, detalha.


A sommelière de vinhos e charutos, Raquel, acrescenta “Você faz uma degustação fria e quente. Cheira, passa o nariz, faz análise visual para ver a condição da capa. Usa a audição na hora de perceber como está a folha do tabaco: seca ou desidratada é sinal de que não foi bem armazenado e você não deve comprar. Em seguida, você vai fazer o corte. Depois, você vai acender. O que acende o charuto é o calor – e não a chama. É importante ter um maçarico, algo que não passe aroma ou cheiro para o charuto, porque ele absorve odores externos. Não soldamos o charuto e não encostamos o charuto no fogo. É um momento de paciência: acende o charuto de fora para dentro, depois que toda a capa estiver acesa é que vamos para o centro, sempre fazendo um movimento circular para que ele fique aceso. Balance o charuto para oxigenar e garantir que ele está todo aceso”, revela Raquel. “Assim como no vinho, a gente sente aromas por via retronasal. E sentimos o sabor do charuto na boca. Pausar a fumaça em boca é o que nos faz sentir o sabor. Não soltamos igual ao cigarro. Se fizer isso, você não vai perceber as nuances do charuto”, resume.


“Há uma teoria de que o charuto não pode esfriar. Se você deixar ele na mesa e fazer alguma coisa, não tem problema, mas precisa garantir que ele não esfriou. E o certo não é tragar, e sim baforar. Alguns resultados de aroma também são obtidos no nariz”, conta Gabriel. “O ideal é de duas a três baforadas por minuto. Se fizer mais do que isso pode aumentar a temperatura do charuto, e isso faz com que o produto perca aromas complexos, óleos essenciais, o que prejudica a qualidade do fumo em si”, completa Diego.


Sobre a harmonização de charutos e bebidas, para Gabriel, a única regra é entender o que estamos fazendo ao estimular os sentidos. “O charuto nos traz uma potência de calor maior que de uma comida. Isso influencia também. Costumo seguir uma linha das bebidas quentes e frias. Quando degustamos bebidas frias, no caso um espumante ou cerveja que seja, o ideal é ingerir a bebida depois da baforada. Ao baforar, você agride a temperatura da boca e a bebida fria alivia, refresca e traz aromas mais suaves e delicados que os do charuto. Mas se está com uma bebida mais quente, aconselho fazer isso antes, porque a temperatura vai volatilizar o álcool e você vai potencializar nuances daquela bebida que você não teria sentido antes. Então a bebida pode tanto amenizar a potência de calor do charuto quanto usar o charuto para potencializar aromas e sabores que estavam escondidos dentro dessa bebida. O moscatel, por exemplo, traz refrescância e acidez. Para mim, a harmonização do espumante é uma das melhores”, opina.


“O conceito de harmonização é similar ao do vinho, mas no charuto você precisa sentir o sabor do charuto, da bebida e o terceiro sabor, da mesma forma como a harmonização com a comida. Ou seja, um não pode se sobrepor ao outro. Também adoro harmonizações com espumantes e vinhos de sobremesa em geral. Falando sobre tintos, as minhas melhores experiências foram com vinhos tintos com passagem por madeira, aroma de especiarias e com uma graduação alcoólica um pouco maior. Gosto de fazer tanto com bebidas alcoólicas quanto com café”, revela Raquel.


Por falar um pouco de vinhos, existe ainda o Brandy e o Cognac. E o licoroso é melhor tinto ou branco? Para Raquel, depende com qual terço a harmonização está sendo feita, além das características do charuto. “Também dá para harmonizar cada terço com um tipo de vinho”, sugere. “Se você pegar o vinho do Porto branco e vinho tinto do Porto vai ter essa comparação bem definida. Mas falando de vinho tinto e vinhos em geral, é muito difícil dizer que não combina, pois vai muito do paladar de cada um. Se você quer pensar na harmonização, o tinto dificilmente vai casar. Mas é muito gostoso tomar um vinho. Se não está buscando a essência da harmonização, acredito que possa ir para onde achar melhor. Eu particularmente adoro tomar espumante com charuto. Tenho um amigo que começou a harmonizar com vinho verde e se apaixonou. Afinal, ele traz limpeza para o paladar”, relata Diego.


“E é realmente muito do que espera, se quer harmonizar, combinar, descontrair. A experiência é singular. Nunca experimentei com vinho verde, mas já anotei que farei. Sempre digo para a pessoa não fazer a avaliação do charuto na primeira vez que fuma, é uma coisa nova, então fume uma, duas vezes o mesmo charuto para entendê-lo de fato e demonstrar uma opinião mais correta e sensata daquele produto. O mesmo com a harmonização. Se pega uma bebida sem álcool, indicamos a água com gás para que ela faça o papel de limpeza. É importante que o paladar esteja aguçado e não adormecido. Por essa razão, algumas bebidas com graduação alcoólica muito alta, acima de 40 graus, por exemplo, não indico, pois vai adormecer o paladar e você não vai conseguir perceber o charuto em si. Então a água com gás, quando está bebendo uma bebida sem álcool, faz esse papel de limpar o paladar”, ensina Raquel.



Sobre a autora: Patrícia Binz é Nutricionista, pós-graduada em Gestão de Marcas (branding) e Mestre em Turismo e Hospitalidade, com o tema Gastronomia Sustentável, todos pela Universidade de Caxias do Sul. Tem experiência na área de Nutrição, com ênfase em segurança de alimentos e sustentabilidade nos serviços alimentares. Possui formação complementar na área de bebidas, sendo nível 3 Wine & Spirits Education Trust (WSET) e candidata ao Diploma WSET. Também é Sommelier Profissional e Sommelier Master pela Associação Brasileira de Sommeliers - RS (ABS-RS). Atualmente é consultora e docente em cursos de vinhos, assim como atua em eventos e experiências enogastronômicas. É professora e diretora de marketing na Associação Brasileira de Sommeliers – RS.

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