Da fragmentada Borgonha às bebidas luxuosas de Champagne, produtores do país têm apostado cada vez mais na produção sustentável

O grupo de professores da ABS-RS foi convidado pelos centros de promoção e por vinícolas da Borgonha, Centro Loire e Champagne para uma missão técnica por essas regiões francesas que se destacam pela produção de alguns dos vinhos mais representativos do mundo. A imersão de estudos de outubro de 2022 teve início pela Borgonha, onde os terroirs são muito fragmentados, com quase 100 AOCs. E existem nada menos que 640 climats classificados em Premier Cru – conceito que diz respeito a um vinhedo homogêneo, do ponto de vista do vinho que produzirá em razão da composição do solo e da insolação. A fragmentação dos vinhedos se deu depois da Revolução Francesa, em função da mudança da lei de herança. Hoje, a aquisição de terrenos por grandes grupos poderá se tornar um risco para as tradicionais famílias produtoras.
Estamos acostumados a grosso modo agrupar os perfis de vinhos em Velho e Novo Mundos, mas quando estamos na Borgonha percebemos algo totalmente diferente e Chablis é uma das localidades que mais revelam essas nuances. A região trabalha exclusivamente com Chardonnay que é produzido naquele que é o clima mais frio da Borgonha. Há rótulos de todos os estilos, como aqueles que nascem em solos de Portland e argilo-calcários que darão acidez mais baixa e aromas mais frutados, e os de solo kimeridgiano que terão toques minerais e defumados.
Tão importante é a geografia que praticamente todas as vinícolas que visitamos nos apresentassem um mapa com o relevo para evidenciar as diferenças regionais, mesmo dentro de uma única AOC. Na Côte D´Or isso ficava ainda mais evidente, onde as encostas orientais são as melhores para os vinhedos. Em Côte de Nuit, onde estão as mais reconhecidas AOCs para tintos, como o Romanée-Conti que tem uns dois hectares, é possível entender a importância do terroir e também valorizá-lo. No Domaine Michel Noellat, em Vosne-Romanée, degustamos amostras de diferentes barricas e podemos constatar as diferenças presentes em vinhedos da mesma AOC e climats. Aqui também começamos a notar como as regras da Borgonha relativas aos tratamentos agroquímicos também tiveram de se adaptar aos terrenos fragmentados. Os produtores, por exemplo, não podem aplicar defensivos em seus vinhedos caso o vento esteja acima de 20 quilômetros por hora, de modo a não estender a aplicação para os parreirais vizinhos.
Essa preocupação com a natureza também é evidente tanto no Centro Loire como em Champagne. Nessas regiões há um costume de contratar um profissional para cuidar dos vinhedos e outro que fica responsável por elaborar os produtos. Na Philipponnat, em Champagne, ficou ainda mais nítido o trato com a sustentabilidade, pois visitamos vinhedos onde são selecionados insetos que tragam equilíbrio ambiental ao ecossistema. Todo produto agrícola francês, até 2030, terá algum selo de sustentabilidade e por essa razão há tamanha seriedade com o tema. Na mesma Philipponat todo vinho-base passa por carvalho ao estilo do sistema de solera, muito comum na produção de Jerez. Esse modo de amadurecimento traz uma maciez interessante aos champagnes que são dosados sempre abaixo, mas ainda assim passam como se fossem brut facilmente, também em função do terroir. Cabe ainda destacar que Champagne tem uma organização comercial sem igual, pois dá espaço ao produtor de uva e a quem comercializa, fazendo com que o viticultor seja o mais bem remunerado de toda França. Esse fator também faz com que essa bebida de alto padrão seja vendida a preços altos desde os rótulos de entrada como é de se esperar de um produto de luxo.
Sobre a autora: Juciane Casagrande Doro é diretora institucional da ABS-RS. Nascida em Bento Gonçalves- RS, e envolvida com a cultura do vinho, formou-se em 1998 como enóloga pelo CEFET, em Bento Gonçalves, primeiro curso universitário de enologia do país. Iniciou sua carreira profissional na área de vendas e marketing do vinho, na qual dedica-se até hoje. Esteve por 20 anos à frente da diretoria Comercial do Grupo Valduga e atualmente dedica-se a empresa que é socia, Amitie Vinhos e Espumantes, além de sua empresa de consultoria comercial. Para aprimorar seus conhecimentos, cursou administração em comércio internacional, fez estágio em enologia na França em Bordeaux e Borgonha, e na Italia, em Udine, região Friuli-Venezia Giulia. Também cursou WSET 1,2,3, teve participação como jurada em inúmeros concursos nacionais e internacionais de vinhos e segue aprimorando-se no mundo vinho constantemente.
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