Os brancos tranquilos são o maior destaque pela complexidade
A Croácia resume bem uma das máximas do mundo vinícola. É um dos países europeus mais antigos em termos de história e cultura, mas faz parte do grupo dos chamados de “Novo Mundo dentro do Velho Mundo”. Afinal, essa nação milenar que já esteve nas mãos dos turcos, húngaros, alemães, austríacos, italianos e dos Balcãs, não faz parte do grupo de tradicionais produtores de vinho e enfrenta os desafios do Novo Mundo. Tanto é assim que a produção de qualidade somente veio a se tornar realidade a partir de 1995, após a desintegração da Iugoslávia e fim da Guerra de Independência. Até esse período, a maior parte dos vinhateiros croatas não se dedicava tanto à qualidade.
Hoje a Croácia é um dos destinos mais visados pelos turistas que desejam desfrutar momentos inesquecíveis em praias paradisíacas ou mesmo nas ilhas à disposição dos viajantes, já que é a terra das mil ilhas. Muitos desses locais, inclusive, lembram a Grécia. A parte continental do país tem estações bem marcadas e com invernos rigorosos. Já o clima mediterrâneo reina à beira-mar. Em agosto de 2022 tive a oportunidade de fazer uma imersão na vitivinicultura croata na pequena Sisak-Moslavina, região que tem sofrido com terremotos devastadores, e explorar as regiões vinícolas tradicionais. Na escola de gastronomia KulIn, que também oferece cursos sobre vinhos, tive o privilégio de conhecer profundamente o país e sua relação direta com a bebida.
A produção vinícola croata é influenciada por dois fenômenos meteorológicos muito importantes. Bura é o vento que sopra do Norte. Ele se caracteriza por ser seco e frio, sendo que sua presença é mais comum ao longo do inverno, mas pode ocorrer durante o ano todo. Jugo é o vento do Sul, que vem do mar para o continente. É um vento quente e úmido que vem das ilhas para a costa e é detestado pelos locais – os mesmos que não abrem mão de bebericar vinhos brancos feitos com a autóctone Malvazija Istarska para justamente arrefecer o insuportável calor em taças particularmente desenvolvidas para esse fim.
São quatro regiões produtoras: Eslavônia e Danúbio; Croácia Central; Ístria Croata e Kvarner e, por fim, Dalmácia. Essa última localidade em particular tem uma forma de cultivo de videira cercado por pedras, protegido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a Unesco. O sistema chamado Primostenski é usado na costa da Dalmácia, devido aos ventos serem muito fortes, e pela necessidade de concentrar a terra com as pedras, em razão da região ser muitíssimo seca. O clima predominante é o mediterrâneo, com solo calcário. Vale conhecer a Dalmácia em razão de suas diversas ilhas, como Korčula, onde a impronunciável casta Grk predomina. A Dalmácia também é um berço histórico vinícola em razão da Plavac Mali, casta da primeira Indicação Geográfica do país: Dingač, que fica na região de Pelješac.
Na região da Eslavônia e Danúbio o clima é frio e úmido. Aqui predomina o planalto com algumas partes em relevo e montanhas, com larga produção de carvalho. Nessa localidade reina a Graševina, que nada mais é que a conhecida Riesling Itálico. Já a Croácia Central apresenta paisagem montanhosa. O clima continental, com invernos muito frios e verões muito quentes, a faz parecer muito com a Hungria, ainda mais pelo fato de ter propensão à produção de grandes vinhos doces. Além deles, os destaques são os brancos, os tintos leves e espumantes. Na Ístria Croata e Kvarner o frio dos Alpes se encontra com o calor do mediterrâneo, o que tarda a vindima pela maturação lenta das uvas. A região tem vários tipos de solo. O vermelho, com predominância de ferro, é ideal para o cultivo de variedades de uvas tintas, como a autóctone Teran e a Merlot. Os solos branco e cinza, constituídos principalmente por calcário e rico em minerais, é ideal para o cultivo de castas brancas como a famosa Malvazija Istarska.
As tintas Merlot, Cabernet Sauvignon e Syrah, além das brancas Sauvignon Blanc e Chardonnay são as castas internacionais mais plantadas. As demais são, na maioria, autóctones. Existem 258 castas na lista nacional de cultivares de videira reconhecidas. Desse total, cerca de 100 são recomendadas para a produção de vinhos com Denominação de Origem Protegida. As variedades mais representativas são Graševina (23% da área), Malvazija Istarska (8,3%) e Plavac Mali (8,1%). Também há produção de vinhos de uvas internacionais como a Merlot, a Cabernet Sauvignon, um pouco de Syrah, e nas brancas a Sauvignon Blanc e a Chardonnay, entre outras. A classificação responsável pela qualidade e tipicidade dos vinhos croatas foi a Zaštićena Oznaka Izvornosti (ZOI), como é conhecida a Indicação Geográfica, Denominação de Origem dentro do sistema da União Europeia.
Todos os vinhos passam por rígidas avaliações, sendo uma delas físico-química e a outra organoléptica. Todos os produtores enviam quatro garrafas, sempre de uma única safra anual, antes da rotulagem do produto final. Na fase físico-química parâmetros como teor de álcool, acidez e volume de dióxido de enxofre, por exemplo, são escrutinados. Na parte sensorial é usada uma ficha de avaliação que tem um total de 100 pontos. O rótulo mais simples tem de receber 60 pontos. Para ser considerado ZOI, a régua é mais alta: 75 pontos (conhecidos pelo nome de Kvalitetno Vino), mas exemplares de alta qualidade chegam a somar 85 pontos (chamados de Vrhunsko Vino). Pelo menos metade dos avaliadores tem de confirmar que a amostra é reconhecível pela tipicidade. Os vinhos com indicação geográfica levam no rótulo a sigla ZOI ou mesmo KZP, como era conhecida anteriormente.
Os croatas têm mirado muito a qualidade dos seus vinhos, de modo que o país passe a ganhar relevância no mercado mundial através da exportação, especialmente na própria Europa. Na minha opinião, eles futuramente conseguirão oferecer vinhos com ainda mais qualidade, e de preços muito convidativos, quando comparados com outros vinhos do continente europeu. Os principais estilos de vinhos, com certeza, são os brancos tranquilos, pois conseguem apresentar maior complexidade de aromas e sabores, além da deslumbrante acidez. Brancos produzidos com a Malvazija Istarska na região costeira da Ístria, que tem influência italiana, conseguem ganhar com o envelhecimento chegando a apresentar notas amendoadas ao paladar. Muitos dos vinhos dessa variedade serão uma combinação perfeita para vários pratos de frutos do mar, filés de peixe grelhados, ostras frescas, saladas de frango, risotos e massas. Outra branca interessante é a Graševina. Os tintos da Dalmácia, em geral, também apresentam excelentes características sensoriais. Infelizmente poucas importadoras brasileiras possuem um portfólio de vinhos croatas. Talvez esteja aí um motivo a mais para conhecer pessoalmente esse país magnifico e suas paisagens exuberantes – e vinhos idem.
Sobre a autora: Nutricionista, pós-graduada em Gestão de Marcas (branding) e Mestre em Turismo e Hospitalidade, todos pela UCS (Universidade de Caxias do Sul), possui experiência na área de nutrição com ênfase em segurança de alimentos e sustentabilidade. Sommelière Profissional (ABS-RS) e Master Países e Regiões (ABS-RS), também tem certificação nível 3 WSET e é candidata ao Diploma WSET. Conta com experiência como consultora e head sommelier em restaurantes e hotéis de luxo, e atua em experiências enogastronômicas, assim como é docente em cursos de vinhos e organiza eventos ligados ao setor.
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